RBV_capa44O Refúgio: História

O Refúgio Biológico Bela Vista é o mais antigo e bem-sucedido projeto na área da preservação ambiental no Brasil, fruto da consciência conservacionista que surgiu em Itaipu e que se opunha à ideia de desenvolvimento a qualquer custo. Localizado entre o Parque Nacional do Iguaçu e a Ilha Grande, desempenha um papel fundamental na preservação do meio ambiente na Tríplice Fronteira. O Refúgio, integrado ao Complexo Turístico Itaipu, oferece hoje uma alternativa de visitação turística na cidade de Foz do Iguaçu, Paraná. Criado em 27 de junho de 1984 e com 1.920 hectares, o Refúgio foi concebido para receber milhares de animais desalojados durante a formação do reservatório de Itaipu e para a produção de mudas para o reflorestamento das margens do novo lago.

Da sua fundação até anos 90, embora desempenhasse um papel de centro de resgate de animais e viveiro de mudas, se via atraindo cada vez mais visitantes interessados em conhecer o trabalho no local, tal qual um centro de visitação. Em 1995, mais de 300 pessoas apareciam semanalmente para realizar as visitas guiadas ao Refúgio – criadas justamente para tentar ordenar a imensa quantidade de visitantes. As instalações do Bela Vista eram, entretanto, de caráter provisório, sendo inadequadas para receber o público.

Esta demanda fez voltar à tona uma antiga e quase esquecida ideia de construir instalações definitivas para o Refúgio, e assim surge a proposta de não apenas qualificar como também ampliar o Bela Vista, para torna-lo oficialmente um polo de atração turística no Complexo Itaipu, então sob direção de Antonio Jose Correia Ribas, entusiasta do projeto.

A nova sede: pioneirismo nacional em Sustentabilidade e Permacultura

Tendo como herança todo histórico de preservação e sustentabilidade que sempre nortearam as ações do Refúgio, Antonio Ribas se juntou a Newton Luiz Kaminski, diretor da Divisão de Águas Protegidas de Itaipu, para elaborar um plano com 6 pontos fundamentais para revitalizar o Refúgio. Os pontos seriam as premissas básicas para a elaboração do projeto, e tratavam de preceitos da sustentabilidade, uma ideia que na época recém chegara ao Brasil como inovação teórica e praticamente inédita nos canteiros de obra.

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A necessidade de conhecimento técnico de especialistas levou os representantes do convênio UFPR/Itaipu a irem ao encontro do Núcleo Orientado para Inovação em Edificações (NORIE) da  Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que já contava com reconhecimento nacional na área de sustentabilidade do ambiente construído, com diversas linhas de pesquisa a respeito deste tema. Através do contato com o professor Miguel Sattler, coordenador do NORIE/UFRGS, Kaminski foi apresentado aos demais professores e parceiros do núcleo, e assim conheceu a 3C Arquitetura e Urbanismo.

“Os arquitetos Tiago e Pedro foram indicados pelo professor Sattler que destacou a experiência da dupla no tema de sustentabilidade, assim eles surgiram como agentes de transformação dos conceitos e idéias em ações concretas para o RBV. Começamos o trabalho com o levantamento de necessidades e o estudo preliminar pautados por conceitos de baixo impacto ambiental”, recorda Kaminski.

ARBV_citacao_sattler-01pós a primeira viagem de reconhecimento da área, o grupo se encontrou no Rincão Gaia, centro de estudos ambientais fundado por José Lutzenberger, para a realização de uma atividade chamada de charrette, que visava discutir as propostas e diretrizes norteadoras do projeto. “Lá criamos uma sinergia singular e logo foram se destacando as qualidades da equipe da 3C: criatividade, competência, cooperação, seriedade no trabalho e bom humor”, elogia Sattler. O grupo se dividiu em várias frentes, cada um na sua especialidade, assessorando a equipe da 3C, que desenvolveu o anteprojeto com sua própria percepção e criatividade.

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Kaminski comemora que o planejamento da 3C Arquitetura e Urbanismo foi muito bem conduzido e que isso permitiu contornar e conquistar a confiança da equipe lotada no RBV e a fiscalização de obras, responsável pela implantação do projeto. “Contou muito o profissionalismo, experiência, flexibilidade, segurança e capacidade de interação da 3C com nossa equipe”, destaca o superintendente de Itaipu.

O projeto da nova sede, rico em soluções ecológicas e sustentáveis, consolidou o Refúgio Biológico Bela Vista como centro de preservação e local de pioneirismo ambiental no país.

 

Conceito de projeto: os Quatro Elementos e a Vida

A sustentabilidade diz respeito a como tornar as edificações menos impactantes, por meio da adoção de medidas simples como a captação e uso racional da água, a captação e uso racional da energia, a redução e otimização do uso de materiais, etc. A permacultura, por sua vez, é um conjunto de conceitos de cuidado com a terra, cuidado com as pessoas e com a distribuição dos excedentes.

O conceito fundamental do projeto une a sustentabilidade e a permacultura, concebendo as edificações como representação dos quatro elementos, sendo a vida o percurso que conecta todos. Assim, enquanto o visitante fosse percorrendo o caminho, ele iria encontrando os elementos – representados pelas edificações e espaços lúdicos, fazendo a conexão entre todos, auxiliando na compreensão desta relação holística que existe no Universo.

Dentro desde conceito geral, foram elaboradas diretrizes gerais para o projeto:

 

Análise da área

Para a implantação do novo Refúgio, foi feita uma análise do local e dos condicionantes existentes. Assim, foi-se identificando os eixos e traçados viários existentes, as condições de insolação e de predominância dos ventos.

Elementos reguladores

 

Acessos existentes e novo acesso proposto

 

 Zoneamento das novas instalações

 

 Base geométrica do projeto

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Implantação

 

Tecnologia e Materiais

Um dos itens mais determinantes para as soluções possíveis de um projeto arquitetônico são as tecnologias e os materiais utilizados. A possibilidade de suportar as práticas de sustentabilidade, por meio da instalação de tecnologias deste tipo foram fundamentais na concepção do projeto.

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A utilização de coberturas vegetais, de água e com isolamento por camadas de ar, paredes espessas, orientação, posição e dimensões das aberturas, conjuntamente com a utilização de trocadores de calor por água e terra, captação de água para sua reutilização e reciclagem de resíduos e materiais da obra foram algumas das soluções adotadas no projeto.

A tecnologia construtiva determinou a escolha de materiais menos impactantes ao ambiente e abundantes na região, com baixo consumo em sua produção: tijolo cerâmico, basalto e madeira de reflorestamento. A cerâmica foi eleita como principal material de construção do Refúgio, sendo empregada na forma de tijolos, pastilhas, blocos, telhas e pisos, suas características sugerem o uso de planos horizontais e de vãos livres de tamanho reduzidos. Os blocos de pedra foram adotados na execução de fundações e paredes. A madeira, por sua vez, supre a demanda por maiores vãos, como coberturas e varandas, além de ter sido adotada como material para esquadrias.

O concreto e o aço foram adotados apenas em casos específicos de vãos livres de grandes dimensões (como o Recinto das Aves), pois são considerados os dois materiais com maior impacto no meio ambiente. Materiais como derivados do petróleo, cimento amianto e PVC’s foram evitados no projeto, por seus altos níveis de toxidade.

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Edificações

Após apenas 18 meses de obras, foi inaugurado o novo Refúgio Bela Vista. Mais de 40 edificações compõem as novas instalações, dentre as quais se destacam a Casa do Sol e da Lua, o Centro de Recepção de Visitantes, o Portinho e a Choupana.

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A preservação do ambiente natural, aliada à escolha de materiais e soluções determinam uma linguagem mimética com a paisagem: a grama que preenche a cobertura dos prédios do Centro de Recepção ao Visitante é um exemplo claro da intenção dos arquitetos.

Os espaços para os animais em recuperação foram pensados para parecerem o mínimo possível com jaulas de zoológicos. No lugar das grades, há telas, fossos e vidros blindados. O Recinto das Aves, por exemplo, foi concebido como uma grande estrutura na qual os visitantes podem entrar, invertendo a lógica tradicional dos zoológicos na qual o visitante observa os animais reclusos.

Os animais de maior porte, como as onças-pintadas, os cervos e as capivaras ficam em ambientes que reproduzem seus habitats naturais, e estes recintos são integrados ao Refúgio por meio de trilhas e percursos que atravessam a mata local, pelos quais os visitantes podem passar livremente.

Paisagismo

O projeto paisagístico do RBV foi concebido tendo em conta o histórico do Refúgio como um local de visitação e de educação. Assim, foi usado o conceito de “Paisagismo Pedagógico”, isto é, um projeto paisagístico que, mais do que ornamental, pudesse servir como ferramenta de educação ambiental, permitindo que o visitante tivesse uma exploração sensorial das espécies (visual, olfativa, tátil e gustativa).

Para isto, foram elaboradas diretrizes do projeto paisagístico, também norteadas pelos preceitos da permacultura e da sustentabilidade. Entre estas diretrizes, se destacam o uso de espécies nativas; o uso de plantas medicinais e aromáticas; o uso de plantas atrativas de borboletas, passarinhos e beija-flores; o incentivo ao cultivo urbano de alimentos; a criação de percursos atraentes e instigantes; o uso de espécies de uso perene, com baixa manutenção; a alternância de ciclos de floração para gerar efeitos de mudança de cor das folhas; o uso de rotação de culturas; o uso de mantas orgânicas (mulch) no lugar de mantas plásticas, entre outros.

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Conclusão

O projeto do Refúgio Biológico Bela Vista proporcionou a oportunidade de começar a investigação para estabelecer novos parâmetros para a elaboração de projetos de urbanismo e arquitetura. Entende-se que sua principal qualidade é tornar-se objeto de estudo e monitoramento, com vistas ao aprimoramento da metodologia, bem como dos resultados práticos.
Evidentemente, não esgotaram-se as possibilidades de exploração deste tema, mas comprovou-se que um projeto sustentável não pode repetir a metodologia desenvolvida em projetos tradicionais, sob pena de estar repetindo suas práticas e resultados condenáveis.
Considera-se, portanto, que o desenvolvimento sustentável deve ser levado à prática profissional, cabendo a cada categoria rever sua forma de atuação e buscar a nova maneira de agir, em conformidade com o respeito ao ambiente e às gerações futuras.

A onça pintada Juma, falecida em janeiro de 2016, era o símbolo do RBV e dos esforços pela preservação da fauna e da flora da região. Fica aqui nosso agradecimento a todos os colegas que trabalharam neste projeto e também uma homenagem aos muitos amigos que fizemos em Itaipu e no RBV ao longo da jornada.

EQUIPE DE PROJETO
Autores:
Arq. Pedro Augusto Alves de Inda
Arq. Tiago Holzmann da Silva

Co-autores:
Arq. Camilo Holzmann da Silva
Arq. Marco Antônio Lopes Maia

Colaboradores:
Arq. Rafael Simões Mano
Arq. Letícia Rodrigues
Arq. Letícia Thurman Prudente
Arq. Daniele Caron
Arq. Carlos Eduardo Paes Leme Nicolini
Arq. Hilton Albano Fagundes
Bio. Rodrigo Balbueno
Acad. Arq. Cristian Illanes
Acad. Arq. Cristiano Kunze
Acad. Arq. Luciana Ramos de Castilhos
Acad. Arq. Vinícius de Medeiros

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REFERÊNCIAS

Refúgio Biológico Bela Vista no site de Itaipu: http://www.itaipu.gov.br/turismo/refugio-bela-vista

PUBLICAÇÕES  DO PROJETO:

Portal Vitruvius, out 2001 –  Refúgio  Biológico da Boa Vista em Itaipu
Portal ArcoWeb, jun 2003 – Um refúgio ambiental. E vernacular.
Folha Online, jul 2004 – Prêmio de Melhor Prática em Construção Sustentável
Revista AU, 2004 – Prêmio de Melhor Prática em Construção Sutentável